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Uma aliança entre milícias armadas e interesses econômicos da China está reconfigurando a geopolítica dos minerais estratégicos no sudeste asiático — e impactando diretamente o bolso do consumidor em todo o mundo, inclusive no Brasil
No leste de Myanmar, a United Wa State Army (UWSA), grupo paramilitar com cerca de 30 mil combatentes e laços estreitos com Pequim, assumiu o controle de diversas minas ricas em terras raras. Esses minérios são essenciais para a fabricação de celulares, turbinas eólicas, veículos elétricos, equipamentos médicos e até armamentos militares de alta tecnologia.
Funcionando como uma força de segurança informal a serviço do interesse chinês, a UWSA mantém as minas operando em ritmo contínuo. Os recursos seguem em fluxo constante para a China, onde são refinados e convertidos em insumos estratégicos para a indústria global.
Apesar de ser o maior produtor mundial desses elementos, o governo chinês ainda depende de países vizinhos como Myanmar para garantir o volume necessário ao seu parque industrial. Entre janeiro e abril deste ano, aproximadamente metade dos minérios refinados na China com esse perfil vieram de território birmanês.
Pequim concentra cerca de 90% da capacidade global de refino, o que reforça seu domínio sobre cadeias globais de fornecimento — e a pressão se reflete nos preços. O óxido de térbio, um desses elementos, teve aumento de 27% em apenas seis meses, elevando custos de produção em setores como transporte e tecnologia, com efeitos previstos no varejo brasileiro.
Apesar de deter a segunda maior reserva mundial desses minérios (cerca de 21 milhões de toneladas), o Brasil ainda carece de infraestrutura para extração e refino, mantendo-se dependente de importações e sujeito à oscilação do mercado internacional dominado pela China.
Instabilidade em Myanmar alimenta estratégia chinesa
Desde o golpe militar em fevereiro de 2021, Myanmar vive uma guerra civil prolongada. O governo militar controla atualmente menos de 40% do território, segundo dados de organizações internacionais. Milícias étnicas e forças pró-democracia ocupam vastas áreas do país, enquanto a repressão se intensifica: mais de 22 mil presos políticos, 6.600 civis mortos, e 3 milhões de deslocados internos são alguns dos números da crise humanitária.
O recente terremoto de março agravou o cenário, dificultando o acesso à ajuda humanitária e aprofundando o colapso institucional e econômico do país.
Mesmo com tentativas de cessar-fogo mediadas por organismos internacionais como a ONU e a ASEAN, os combates continuam. Nesse contexto de caos, a China exerce influência silenciosa, porém decisiva. Além de fornecer apoio diplomático e militar à junta, mantém diálogo direto com milícias armadas, como a UWSA, garantindo acesso a rotas comerciais e áreas de mineração.
Diplomacia simbólica, interesses reais
Enquanto o país se fragmenta internamente, a China e a junta militar celebraram recentemente os 75 anos de relações diplomáticas, com declarações oficiais, slogans de “amizade entre irmãos” (“paukphaw friendship”) e promessas de cooperação. Mas a realidade nos bastidores é diferente.
Em troca de investimentos, proteção internacional e suporte geopolítico, o governo birmanês entrega ao gigante asiático acesso exclusivo a recursos naturais, influência política e domínio de infraestrutura crítica, como estradas e barragens.
Essa relação, marcada por assimetria e conveniência estratégica, não contempla os interesses da população birmanesa. Terras são confiscadas, comunidades deslocadas e o poder real migra dos governos locais para estruturas militares informais a serviço de interesses estrangeiros.
Risco para o Brasil: dependência e inflação tecnológica
Para o Brasil, a ausência de uma política nacional de industrialização mineral representa um risco estratégico e econômico. Com as cadeias produtivas globais pressionadas por conflitos e pela concentração chinesa, o país segue dependente de um único fornecedor — e sujeito às consequências: preços mais altos, escassez e menor competitividade.
A situação atual expõe a urgência de desenvolver capacidade própria de extração e refino, buscando reduzir a vulnerabilidade externa e garantir soberania tecnológica.
Enquanto isso, o controle chinês sobre zonas de conflito em Myanmar redefine a geopolítica dos minérios — e seus reflexos já começam a chegar às prateleiras brasileiras.